Em tempos de pandemia o medo do transporte público chegou antes das evidências, assim se expressam Janeth Sadik Khan e Seth Solomonow, em artigo na tradicional revista “The Atlantic”, da cidade de Boston.
Parece que tudo começou por um relatório publicado pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology, com o aterrorizante título "Os metrôs semearam a epidemia maciça de coronavírus na cidade de Nova York". Rapidamente o temor espalhou-se pelo mundo, formando a crença de que os metrôs e os ônibus são os grandes disseminadores do vírus chinês.
A chamada grande imprensa, dedicou e dedica quase cem por cento do seu noticiário à pandemia. Sob o manto de salvar vidas e assim prestar um serviço de utilidade pública, não percebeu que apesar das prováveis boas intenções, poderia estar levando pânico à milhares de famílias.
Crianças e adolescentes confinados em suas residências, provavelmente são os que mais sofrem. As manchetes dos telejornais, algumas sensacionalistas, lhes atinge de cheio. Destacam o número de internações e de mortos, mas desprezam quase por completo o total diário de altas hospitalares e dos que se recuperaram em casa, que são a imensa maioria.
Discussões intermináveis sobre este ou aquele medicamento e a falta de perspectiva para o desenvolvimento de uma vacina, aumentam o grau de insegurança dos mais novos, uma vez que nessa etapa da vida o cérebro não está pronto para lidar com o incerto.
A mídia tradicional, ao destacar o isolamento social e os perigos de ir as ruas e pegar uma condução, parece não levar em conta que, para a imensa maioria das famílias brasileiras, o trabalho de hoje garante o sustento do dia. Home office só mesmo para os segmentos abastados da população.
A situação social estaria bem mais grave, não fosse a ajuda emergencial prontamente adotada pelo governo federal. Segundo informa o IBGE, em junho, 29,4 milhões de domicílios receberam algum tipo de auxílio do governo relacionado à pandemia, o número representa 43% do total de moradias no Brasil.
Governantes e meios de comunicação precisam sopesar suas palavras para, ao falarem em defesa da vida, não criarem um clima de frustração e de terror, como se assiste em coletivas promocionais de algumas autoridades e de certos programas de combate ao coronavírus.
Certamente o transporte público brasileiro não está entre os melhores do mundo, nem mesmo nas grandes metrópoles. Lotados nos horários de pico expõem a saúde de seus usuários. Entretanto, torna-se impossível imaginar as cidades sem esse tipo de serviço.
Ora, o não funcionamento do sistema circulatório necrosa o corpo econômico e social de um país, como ocorre num ser vivo. Mesmo durante a pandemia o sistema de transporte público no mundo inteiro continuou cumprindo seu papel, transportando trabalhadores, peças essenciais para o funcionamento da sociedade.
As grandes cidades do mundo, como São Paulo e New York tiveram que rapidamente se adaptar ao novo momento. As autoridades públicas, agencias e empresas de transporte, procuraram se reinventar para enfrentar o justificável medo de seus usuários.
Os sistemas de transporte passaram a integrar em suas rotinas de trabalho a limpeza de alta visibilidade, campanhas com mensagens para manutenção da saúde, o uso obrigatório de máscaras, a disponibilidade de álcool gel para os usuários, a redução drástica do numero de pessoas por veículo e o consequente o aumento da frota para não gerar acúmulo de passageiros nos terminais.
A sociedade bombardeada pelo alarmismo da imprensa tradicional, não consegue visualizar que é possível usar o transporte público com um maior grau de segurança, desde que se siga o protocolo das autoridades e das empresas de transporte. Não existissem as mídias sociais, a sociedade estaria totalmente refém do oligopólio informativo de tais empresas de comunicação.
Pesquisas em andamento na Europa e nos USA mostram não existir evidências cientificas que apontem o transporte público como fator preponderante na transmissão do Vírus. Os resultados até agora colhidos, sugerem um papel muito menos sinistro aos modais do que o relatório do MIT. Entretanto, a informação que muitos dos surtos ocorreram longe do ônibus e do metro, não significa que se pode baixar a guarda.
Este grave momento que atravessa a humanidade deixa ensinamentos preciosos, em particular para o transporte público. Ainda não se conhece completamente a epidemiologia do coronavírus, nem mesmo como eliminar os riscos de sua disseminação, mas certamente ficou claro que o sistema de transporte de massas como conhecíamos no passado não se sustenta mais.
O Brasil pós pandêmicos exige a revitalização da mobilidade urbana, da qualidade de vida nas cidades, da segurança em saúde pública nos meios de locomoção. O transporte público não precisa da higienização de um hospital, mas exige padrões visíveis de limpeza, campanhas de conscientização e muita fiscalização desses serviços por seus usuários.
Substituir o medo pela esperança não é uma tarefa fácil, mas um passo inicial, pode estar em dosar os noticiários que entram em nossos lares disfarçados de fazer o bem, mas que podem fazer exatamente o contrário...
Doutor em Ciências Humanas e Mestre em História Econômica pela USP, criou e coordenou o Programa PARE do Ministério dos Transportes, foi Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, Secretário-Executivo do Gerat da Casa Civil da Presidência da República, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais de
Florianópolis – Cesusc, Two Flags Post – Publisher & Editor-in-Chief.