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Trânsito: O Indivíduo e a Coletividade
25 de Maio, de 2022
Artigo
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By JOSÉ ROBERTO DE SOUZA DIAS
Trânsito: O Indivíduo e a Coletividade

No momento atual quando os poderes da República se embaralham, se confundem e se atritam é importante olhar um pouco atrás.

E é possível perceber que as raízes coloniais brasileiras são tão fortes que chegam, vez ou outra, impedir que se alce voo em direção ao Século XXI e supere os entraves que nos prendem a um comportamento socioeconômico que há muito o mundo está deixando.

A História brasileira mostra que a elite colonial tinha por hábito mandar seus filhos à Europa, na maioria das vezes com destino à Coimbra. Isto, de um lado, criou uma certa resistência ao desenvolvimento de um projeto de ensino no Brasil e de outro uma visão distorcida das ciências jurídicas.

Pois bem, os filhos dessa elite ao voltarem para o país, trouxeram na bagagem cultural uma percepção de mundo que não se coadunava com a realidade da qual haviam se distanciado. Libertários, alguns eram contra a escravidão e ao capitalismo monopolista praticado pela metrópole portuguesa. Impregnados pelo pensamento da Revolução Francesa transformaram-se na mola mestra da independência e do abolicionismo.

Porém, sempre foi notório um certo ar de superioridade naqueles recém-chegados de Coimbra, acostumados a trajar uma longa capa preta, gravata e camisa social para frequentar as aulas. O visual dava-lhe um ar de prestígio e os alunos gabavam-se de desfilar com sua capa pelas ruas da cidade.

Foi necessário aguardar a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, para que se fundassem os primeiros cursos superiores na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Quando os cursos de direito foram aqui abertos já era perceptível, no imaginário da elite brasileira uma certa submissão intelectual aos conhecedores da lei, como se estes se encontrassem um patamar acima dos simples mortais.

A impostação da voz, o olhar de cima para baixo, o uso do “juridiquês” e a toga preta, tem sua origem remota e podem até explicar um certo equívoco comportamental de alguns que passaram a se portar como cidadãos acima de qualquer suspeita.

Em anos recentes, alguns segmentos das chamadas cortes superiores assumiram parcelas cada vez maiores de mando, com o risco de se transformarem em um poder quase absolutista, a última palavra em tudo, e não só em temas estritamente constitucionais.

O oportunismo das velhas e novas raposas políticas não perdeu tempo. Temas que facilmente emperravam no Congresso foram demandados para as Cortes Superiores com uma roupagem de constitucionalidade, na maioria das ocasiões para queimar esse ou aquele candidato.

Algumas vezes, assuntos de prevalência são pautados, como a chamada Lei Seca. Mas, deve se considerar, que o assunto poderia ser resolvido perfeitamente no âmbito técnico do poder executivo ou nos tribunais das esferas inferiores.

A Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel), a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Associação Brasileira das Empresas de Gastronomia, Hospedagem e Turismo entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), questionando o uso dos bafômetros e a proibição de comercialização de bebidas alcoólicas nas estradas federais.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal ao julgar coletivamente essas ADIs considerou como constitucional as normas que restringem a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e a classificação como infração autônoma de trânsito da recusa em fazer o teste do bafômetro, pois visam a proteger a coletividade e o direito à vida.

Destaca-se, aqui o voto do ministro André Mendonça, ao lembrar que a liberdade do indivíduo não pode se sobrepor à da coletividade.

A Corte Superior neste caso procedeu de acordo com o que se espera, em defesa dos legítimos interesses da família e da coletividade. Entretanto para resgatar plenamente sua respeitabilidade, precisa circunscrever-se ao seu exclusivo papel constitucional, espelhando-se nos grandes nomes do passado que se pronunciavam apenas nos autos. Resgatar o passado equivale a reconquistar a admiração e o apoio no presente.

JOSÉ ROBERTO DE SOUZA DIAS

Doutor em Ciências Humanas e Mestre em História Econômica pela USP, criou e coordenou o Programa PARE do Ministério dos Transportes, foi Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, Secretário-Executivo do Gerat da Casa Civil da Presidência da República, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais de
Florianópolis – Cesusc, Two Flags Post – Publisher & Editor-in-Chief.