A culpa não foi minha!
A falta de valorização da vida e a indiferença do estado dá, a nosso ver, ao Brasil a qualificação de guerra urbana no trânsito e transporte.
A disputa por espaço leva um cidadão a agressividade. O carro, objeto de “maior valor” para à sociedade, conduz todos no meio do trânsito a verdadeiros adversários.
Aqueles que têm condição social melhor, tem um automóvel melhor. Sentem-se com mais direitos, transformando-se em donos da rua.
Motoristas são concorrentes e sempre tem que estar à frente dos outros.
“Eu cheguei primeiro”.
O poder manda. O carro, desde seu surgimento, virou símbolo de ascensão social.
“Quem tem carro é rico”. O brinquedo, carrinho de ontem, tem as mesmas características e o mesmo comportamento do proprietário hoje.
Correr, competir com o coleguinha, fazer manobras arriscadas, ter emoções, fizeram o homem trazer essa imagem que vemos em nossos espaços.
Houve um desenvolvimento intelectual, sim, mas as ações antigas persistem a ponto de usar o objeto que facilita sua mobilidade, como um escudo, uma arma. Todos os dias mata, alega, destrói famílias e traz extremo sofrimento a todos
A coisa vem da infância. Hoje temos o brinquedo grande, que serve para múltiplas coisas, inclusive para matar.
Vemos a todo momento estampado nos jornais, em televisões, imagens assustadoras. A velocidade, álcool, drogas, celular, fadiga, sono, empinar motocicletas, desobediência as regras tudo trazendo transtorno ao âmbito do trânsito e comprometendo a integridade física das pessoas.
Os sinistros acontecem com os menos experientes nas vias em geral. Atinge faixas etárias de 18 a 32 anos em média. Quase sempre já com antecedentes de Infrações cometidas. Alguns já cumpriram ou estão cumprindo punições administrativas. Pagaram multas, perderam pontos na carteira pelas infrações cometidas. Outros com crimes de trânsito pagaram fiança e voltaram para casa.
Nenhuma prisão é constatada tendo apenas a carteira nacional de habilitação aprendida. Feito treinamento para recuperar a carta, volta a transgredir, desenvolvendo no trânsito tudo aquilo que fazia anteriormente. Choca-se contra outro veículo, danificando-o e matando quem está no seu interior.
Nenhuma prisão é constatada.
Nos hospitais chegam indivíduos politraumatizados, incapacitados, amputados, em parada cardiorrespiratória pouco se tendo a fazer. Recentemente vimos uma moça atropelada por um dos veículos que “fazia pega”, chega ao hospital sem a perna, num quadro hemorrágico intenso. A sorte foi o Socorro imediato, feito na própria via onde o resgate atendeu e preservou essa vida até chegar ao Pronto Socorro. Foi salva, porque normalmente morrem com quadro hemorrágico intenso. Outros chegam ao hospital, mas já em fase de parada cardiorrespiratória. Nada a fazer. Só sofrimento visto pelo profissional de saúde que nada pode fazer.
Aliás, vale comentar que a motocicleta virou brinquedo também. Empinar a motocicleta com um passageiro a bordo é a necessidade maior do nosso jovem motociclista inexperiente e que não ignora os riscos da ação praticada, mas prática.
Os automóveis de alto luxo, caríssimos que buscam as vias, avenidas para disputar racha, de concorrer com companheiro que segue ao lado para fazer absurdos a ponto de matar.
Nem ao menos um Socorro, uma prestação de contas, um sentimento moral de um ser humano que vê o outro abatido na via, na estrada e não é capaz de socorrer, mas sim de fugir do ambiente, buscando abrigo para não ser detido, não ser preso, não ser visto como o agente criminoso responsável por aquele sinistro. Nem ao menos pedir socorro.
É a fuga, fugir daquilo que praticou, sentindo-se sem culpa, sem o menor remorso, sentimento ou solidariedade.
Diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego)