No dia 12 de abril entraram em vigor novas alterações do Código de Trânsito Brasileiro propostas pelo Presidente da República e aprovadas, com ressalvas, pelo Congresso Nacional. É a 39ª mexida no Código, em vigor desde janeiro de 1998, que desta vez cobre 57 modificações, o que não é pouca coisa.
Na opinião generalizada de especialistas em legislação de trânsito, pelo conjunto das mudanças, o Código muda para pior mas teria ficado ainda mais complicado se todas as mudanças tivessem sido aprovadas.
Várias alterações aprovadas facilitam a vida dos infratores e daqueles que querem infringir as normas de segurança e não acrescentam pontos importantes para a segurança do trânsito. Outras tangenciam a segurança ao passo que algumas ficam no terreno da perfumaria. Há algumas que são simplesmente para inglês ver, como a do Conselho Nacional de Trânsito.
Defensores da Lei, na verdade, mostram até uma certa satisfação com o resultado final, pois algumas propostas que faziam parte do pacote inicial, foram, felizmente rejeitadas pelos parlamentares, depois de ouvida a comunidade do trânsito. Alguns técnicos chegaram a me dizer que “as mudanças que chegam em abril valem mais pelo que foi vetado do que pelo que foi aprovado”.
Enfim, para quem trabalha pela segurança no trânsito, não há como não ficar desapontado.
Nos 4 cantos do país sempre ouço que nosso Código é muito bom, “um dos melhores do mundo”. Ocorre que nossa fiscalização é falha e isto tira o brilho do documento. Apesar de ter mais de 20 anos, o CTB ainda possui artigos que ainda não foram implementados por completo e isto envia sinais confusos para a sociedade. Como se não bastasse, o próprio governo altera o que estava valendo com medidas que pouco ou nada contribuem para tornar nosso trânsito mais ordeiro ou mais seguro. Exemplos: aumentar o prazo de validade da CNH ou ampliar a pontuação no prontuário do motorista significam um afrouxamento sem a menor justificativa.
Nos países mais desenvolvidos há um rigor bastante forte na aprovação do candidato a motorista; uma vez aprovado no exame e de posse de sua permissão para dirigir (veja, é uma PERMISSÃO), a rigidez no controle do seu comportamento no trânsito é enorme e a polícia é implacável caso ele burle as regras. E isto tudo é feito em nome da segurança sua e da sociedade.
Com um detalhe adicional e importantíssimo: com a aprovação integral e inequívoca da sociedade.
Tenho certeza de que, se fizéssemos uma ampla e profunda pesquisa de opinião pública junto à sociedade brasileira perguntando como gostaria que fossem tratados os infratores das leis de trânsito, não tenho a menor dúvida de que a resposta seria: punição justa. Afinal, ela sabe o que é chorar mais de 30/40.000 vezes por ano pelas mortes desnecessárias nas ruas e estradas do país.
Não será com populismo, com promessas de campanhas que pouco ou nada contribuem para o bem-estar, para melhorar a autoestima da sociedade, que vamos chegar um dia a ter um trânsito ordeiro, humano e digno das nossas ambições.
Os países mais adiantados mostram há décadas qual o caminho do trânsito seguro: engenharia de tráfego comprometida com a segurança, boa formação de condutores e fiscalização ostensiva de suas ações nas ruas e estradas. O rigor da lei vale para todos. Está claro que, o que garante a prática da infração é a certeza da impunidade e o Brasil já ultrapassou seus limites de tolerância neste quesito.
A sociedade precisa exercer seu direito de alterar o rumo das coisas no trânsito e exigir comportamento de país sério onde a vida tem valor e não pode continuar a ser banalizada da forma como tem sido.
Como sociedade, precisamos aprender a usar melhor os canais de contato com o poder para pressionar por um trânsito melhor, com menos jeitinhos e mais seriedade, onde cuidar de si não significa apenas proteção pessoal, mas principalmente cuidar também dos demais usuários. Isto é respeitar a vida, exercer a civilidade.
Por tudo isto é que não posso aceitar 57 modificações no Código de Trânsito onde pouca delas apoiam maior rigor na segurança, pelo contrário afrouxam o que já não era bem fiscalizado. Enquanto isto, continuamos com nossos milhares de mortos, sem programa de prevenção nem campanhas de conscientização da sociedade.
Consultor em Programas de Trânsito