Quando falamos em democratizar o acesso às bicicletas, trazemos ao debate barreiras que precisam ser vencidas, e a questão de gênero na mobilidade é uma delas. Temos uma grande luta com relação às cidades inteligentes e incentivo ao uso dos micromodais – quando trazemos as mulheres ao centro da discussão, os desafios se tornam ainda maiores.
De acordo com dados divulgados pela Ciclocidade, em São Paulo, em regiões não centrais, a participação de mulheres ciclistas chega a apenas 3%, enquanto, em zonas mais estruturadas, como no caso da ciclovia da Faria Lima, esse número pode chegar a 20%, ficando abaixo disso, normalmente, entre 11% e 14%. Em uma população composta por mais de 50% de mulheres, esses são dados que refletem questões que precisam de total atenção.
Para colaborar comigo neste artigo, é importante ouvir de uma mulher que trabalha conosco e realiza um excelente trabalho liderando os times de atendimento e relacionamento e está à frente da área de pluralidade e ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, ou Governança Ambiental, Social e Corporativa) da Tembici: Carolina Rivas. Para ela, existem diversos fatores que contribuem para esse cenário. Por muito tempo, até mesmo a qualidade e o modelo das bicicletas eram diferenciadas de acordo com o gênero de quem iria conduzir o modal. Ou seja, as bicicletas ‘femininas’ eram de difícil manuseio, dificultando até curtos percursos. O mercado desenhado para esse biotipo é recente.
Melhor infraestrutura
O fator cultural, como destacou a executiva, também é muito forte e talvez seja o maior responsável por essa diferença entre os gêneros, pois, de acordo com pesquisas, a rotina de deslocamento de muitas mulheres é de múltiplos destinos. Muitas ainda estão vinculadas – por opção ou não – às tarefas de casa, a compromissos dos filhos, compras de supermercado, trabalho e outras que são mais difíceis de realizar em uma bike.
Outro motivo que precisa ser destacado é com relação à segurança no trânsito e, para solucionar essa questão, é preciso construir mais e melhores infraestruturas para bicicleta, adaptar aos padrões de tráfego, além de aumentar as penalidades por mau comportamento de condução dos motoristas. As escolhas dos poderes públicos e iniciativas privadas em relação à micromobilidade têm impacto direto nos padrões de viagem das mulheres. Segundo uma pesquisa feita pela CoMoUK em 2019, Holanda, Dinamarca e Alemanha se destacam, com 56%, 55% e 50% das mulheres, respectivamente, e são países que acreditam, investem e fazem funcionar muito bem o uso da micromobilidade como principal meio de transporte dos cidadãos.
Em uma conversa recente que tive com Rivas, ficou clara a necessidade de que essas partes interessadas tomem consciência da lacuna de gênero ainda existente na sociedade e entendam o potencial gigantesco de trazer cada vez mais mulheres às alternativas compartilháveis de micromobilidade. E, indo além, destacou a importância da contratação de mulheres para projetar inovações que atendam às necessidades femininas na hora de pedalar. Por aqui, estamos muito felizes com o time que estamos formando e os bons frutos que estão sendo colhidos, mantendo nossa preocupação em sempre oferecer sistemas de bikes compartilhadas que atendam toda a população. Sabemos que o caminho é longo e contínuo, mas acreditamos na revolução e sabemos que ela acontece uma pessoa por vez e, claro, incluindo as diversidades, com um ambiente mais seguro e com acesso pensado e desenvolvido a todos.
CEO e cofundador da Tembici, empresa que opera bikes compartilhadas nas principais capitais do Brasil, além de Santiago, no Chile e em Buenos Aires, na Argentina.