Em meio a uma série de questões que envolvem o trânsito e sua relevância para a sociedade, uma problemática que requer atenção urgente é a subnotificação das estatísticas de trânsito no Brasil. Esse cenário não apenas dificulta a formulação de políticas públicas eficazes, como também compromete a segurança viária de milhões de brasileiros. Mas como planejar intervenções estratégicas se não sabemos ao certo quantas pessoas são vítimas da violência no trânsito?
Os números oficiais mais recentes disponíveis, de 2022, revelam uma disparidade alarmante. Segundo o Ministério da Saúde, através do DataSUS, 33.894 pessoas morreram em acidentes de trânsito naquele ano. No entanto, o Registro Nacional de Sinistros e Estatísticas de Trânsito (RENAEST), da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), apresenta 22.008 óbitos para o mesmo período. Esta discrepância levanta a questão: em qual dado confiar?
De acordo com a Senatran, a divergência nos números deve-se a diferentes metodologias de coleta e registro. O DataSUS baseia-se em registros hospitalares e de serviços de saúde, que podem incluir casos não registrados pelos órgãos de trânsito. Já o RENAEST depende dos dados fornecidos pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRANs) e outros órgãos regionais, que, por vezes, não atualizam suas informações de forma regular e abrangente. A falta de integração entre os diferentes sistemas, associada à subnotificação dos acidentes, cria um cenário de incerteza.
A subnotificação de sinistros é especialmente prevalente em regiões com menor infraestrutura de fiscalização e atendimento, o que compromete a exatidão das estatísticas e, consequentemente, a eficiência das políticas de segurança viária. Em resposta a essa lacuna, a Senatran está testando uma nova plataforma digital de coleta de dados via aplicativo, com o objetivo de melhorar tanto a quantidade quanto a qualidade das informações recebidas. No entanto, o sucesso dessa iniciativa depende do compromisso de todos os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT).
Para gestores públicos, estatísticas confiáveis são essenciais para entender as causas dos acidentes e definir intervenções mais eficazes. Sem dados precisos, é como pilotar um avião no meio de uma nuvem, sem instrumentos para orientar a direção. O acesso a informações detalhadas permite não apenas o diagnóstico correto, mas também a otimização dos escassos recursos disponíveis para intervenções viárias, o que é crucial em tempos de orçamentos limitados.
No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos para consolidar uma base de dados de trânsito confiável. Lamentavelmente, muitos estados ainda não alimentam de forma consistente o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS), o que prejudica a formulação de políticas públicas abrangentes.
Sem dados robustos e atualizados, torna-se impossível monitorar e ajustar as estratégias de prevenção. A inconsistência e desatualização das informações agravam a já preocupante crise de mortalidade no trânsito, que voltou a crescer desde 2019, segundo os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DataSUS.
Esse cenário de desarticulação entre os órgãos responsáveis e a ausência de uma política nacional eficaz de coleta de dados prejudica qualquer esforço de melhorar a segurança nas vias brasileiras. Sem números confiáveis, as campanhas de conscientização, as ações de fiscalização e as intervenções em infraestrutura tornam-se menos eficazes e, em última análise, menos capazes de salvar vidas.
A subnotificação das estatísticas de trânsito não é apenas uma falha administrativa, mas um entrave real para a melhoria da segurança viária no Brasil. Sem dados precisos e atualizados, a implementação de políticas de prevenção e a alocação de recursos em infraestrutura viária tornam-se ineficazes. Se o objetivo é reduzir o número de vítimas no trânsito, a primeira medida deve ser garantir a precisão e a transparência na coleta de informações. Chega de vagarmos à deriva por esse mar de desinformação! Precisamos navegar no rumo certo para salvar muitas vidas no trânsito desse nosso Brasil!
Presidente do MONATRAN - Movimento Nacional de Educação no Trânsito